Os espectadores brasileiros tiveram a oportunidade de assistir, ao longo dos anos, a montagens destacadas dos textos mais conhecidos de Samuel Beckett - "Esperando Godot", "Dias felizes", "Fim de jogo" e "A última gravação de Krapp" (que deverá ganhar, em breve, nova encenação com Sergio Britto).
No entanto, os irmãos Adriano e Fernando Guimarães vêm prestando importante contribuição ao levarem para a cena as peças curtas do dramaturgo. Composto por oito peças, traduzidas por Barbara Heliodora, e cinco performances, o projeto "Resta pouco a dizer" toma conta, a partir de hoje, do Oi Futuro. Alguns trabalhos já foram apresentados, como "Balanço", no mesmo Oi Futuro, com Vera Holtz (em São Paulo, Nathalia Timberg).
Mas há novidades, como a estréia de "Improviso em Ohio", com Aderbal Freire-Filho como ator. "Gosto do minimalismo em Beckett e do fato de utilizar a palavra para falar da própria palavra", identifica Fernando Guimarães em relação às peças curtas do dramaturgo, reunidas na caixa de DVDs "Beckett on film" e exibidas, há alguns anos, numa das edições do Festival do Rio. "Naquela ocasião, vim ao Rio para assistir aos filmes", relembra Fernando, radicado em Brasília, que, também carrega na memória montagens emblemáticas, como "Quatro vezes Beckett", encenada por Gerald Thomas, com Sergio Britto, Ítalo Rossi e Rubens Corrêa no elenco.
Determinados pontos centrais na obra de Samuel Beckett certamente virão à tona durante as apresentações, como a desarticulação entre o movimento do pensamento e a fala (bastante presente em "Eu não"), os espaços cênicos delimitados pelo dramaturgo, dos quais os personagens não têm como escapar, a teatralidade extraída da exasperação da espera e a estrutura circular dos textos, que evoluem, diversas vezes, através das repetições.
"Beckett fornece muitas indicações ao diretor. A obsessão é um traço de sua personalidade artística", afirma Fernando. "Mas as performances, em especial, são criações nossas, calcadas no poder de regulação de um objeto externo. O maior exemplo pode ser encontrado, inclusive, numa peça longa do autor, como `Dias felizes', dada a importância da campainha de Winnie", observa Fernando Guimarães a respeito da personagem interpretada por Fernanda Montenegro (nas montagens de "Oh! Que belos dias", na década de 70, e "Dias felizes", na de 90) e Vera Holtz.
"Resta pouco a dizer" resulta da bem-sucedida parceria entre Adriano e Fernando Guimarães, desenvolvida no decorrer do tempo. "Trabalhamos juntos desde sempre e não dividimos funções. Um trabalho só chega à cena se nós dois aprovarmos. Nosso olhar estético é parecido, o que não significa que não tenhamos momentos de discordância. Só tomamos cuidado para não discutir na frente dos atores", brinca. Adriano e Fernando são, atualmente, professores na escola de Dulcina de Morais, localizada no Conic, em Brasília, e ambos assinam as montagens finais. "Eu fui aluno de Dulcina e era fantástico perceber como ela tinha um ritmo incrível em cena", relembra.